quarta-feira, 14 de julho de 2010



CONCEITO TERROIR:

Há muito estou devendo este novo post. Quero aproveitar a oportunidade para me desculpar pelo período que fiquei afastado das minhas atividades no blog. Confesso que muitos fatores contribuíram para minha ausência. De certa forma, esta tarefa sempre me proporcionou bons momentos. Acredito que continuará a ser rotineiramente uma atividade agradável. Em resumo: é muito bom escrever sobre nosso aprendizado, bem como sobre os conceitos assimilados através do universo do vinho.


Meu último post foi em 23.05.2010, portanto, há praticamente dois meses não postamos nada que tenha como referência o mundo do vinho. Desta forma, empenhei esforços a fim de retornar ao nosso diálogo. A verdade é que senti muita falta da convivência com meu seleto e ainda pequeno universo de leitores. Todavia, apesar dos pesares, foi interessante a ocorrência deste gap na comunicação, uma vez que tivemos mais tempo para pesquisa de campo, mais tempo para conhecer e debater com pessoas interessantes, pessoas das mais diferentes faixas de conhecimento, pessoas que deram nitidez ao nosso aprendizado e me fizeram ver que a responsabilidade de escrever sobre o vinho é muito grande, inquietante e emocionante, pois neste mundo vinho não há o que ensinar e sim muito para aprender.


Ernest Hemingway (foto) certa feita atribuiu ao vinho o título de a mais “culta das bebidas”. Queria fazer constar à posteridade que não caberia aos amantes do vinho apenas o prazer de degustá-lo, mas também a obrigação de conhecê-lo e, por fim, incorporá-lo aos seus estilos de vida.


Bem, a partir daqui vamos iniciar o tema que resolvi explorar hoje, Tentarei despertar em vocês o princípio terroir. Este é o tema que mais me influencia e motiva na busca de conhecimento ante o universo do vinho. Iremos tratá-lo como se pudéssemos estabelecer uma analogia com a arte em seu estado mais primitivo, pois acredite, o terroir é um design perfeito, ocorrido em poucos e privilegiados lugares no nosso planeta. Chamo-o de design, por tratar-se de uma forma exclusiva, não repetida, de um processo que a natureza desvenda e aprimora em uma combinação micro ambiental, homem, solo, relevo, clima e uva, condições que se perfazem e interagem, suscitam a cada safra um novo encanto, um composto que poderá revelar uma obra prima ou um produto medíocre. Portanto aprendam que uma boa uva poderá produzir bons e maus vinhos, entretanto um má uva produzirá apenas vinhos ruins.


A literatura sobre a matéria estabelece raízes profundas com a história do homem, revela conhecimentos dos contextos básicos do vinho e sua milenar e íntima proximidade com poder. Igualmente, define o que realmente temos que entender para aprender acerca do terroir. Erroneamente quando somos introduzidos neste universo, começamos, na maioria das vezes, buscando memorizar e gravar nomenclaturas das cepas mais comerciais, como as de Cabernet Sauvignon, Shiraz, Carmenere etc., orgulhosamente, passamos a pronunciar e a classificar mecanicamente estas varietais nos encontros sociais e nas trocas de idéias junto aos nossos ciclos mais íntimos. Pensamos ainda que se pudermos identificar alguns rótulos e classificar certos produtores podemos justificar alguns custos, muitas vezes exorbitantes. Para mim e para muitos, o verdadeiro conhecimento sobre o vinho se estabelece quando do conhecimento profundo da região e das condições climáticas da safra em que foi produzido. Ainda juntamos ao conjunto o principio da expertise que são o produtor e as técnicas de processamento utilizadas. O fato é que em certos momentos você estará, só, diante de uma história engarrafada, e caso não domine o terroir poderá pagar caro por isso.


Iremos então melhorar um pouco seu conhecimento. Pesquisamos vários textos e encontramos um ótimo artigo do agrônomo Jorge Tonietto1, publicado no Jornal Bon Vivant (http://www.cnpuv.embrapa.br/publica/artigos) em 15/05/07, que de forma muito simples consegue definir o significado desse princípio cultural. O autor chama nossa atenção para o fato de que teremos dificuldade de entender o conceito terroir, uma vez que seu significado tem uma conotação própria e cultural para o povo francês. A palavra, isolada ou livremente traduzida, não consegue preencher completamente o significado que o conceito terroir tem para este povo, diz: Tonietto. A Palavra terroir data de 1.229, sendo uma modificação lingüística de formas antigas (tierroir; tieroer), originada no latim popular (territorium). Terroir designa uma extensão delimitada de terra, considerada do ponto de vista de suas aptidões agrícolas.



Através do texto acima, o autor quer explicar e estabelecer uma relação objetiva com mundo do vinho. Para tanto, continua a citar fontes de aprendizado prático da humanidade ao longo de séculos. Cita a máxima “solo apto a produção do vinho” e outra máxima como “terroir produzindo um grand cru” que significa “vinho que possui o gosto do terroir”. Todas estas máximas se referem à mesma origem, ou seja, “um gosto particular que resulta da natureza do solo onde a videira é cultivada” Todas estas citações proporcionaram deferências referindo-se às conotações apenas positivas do vinho. Mas nem sempre foi assim, uma vez que, as denominações de origem nos levam a perceber que o significado “terroir”, na França do século XIX, tinha o termo associado a um vinho que não tinha o caráter nobre (cru) para ser consumido pelas pessoas da cidade, mas referia-se ao vinho com "gosto de terroir", na época associado a um caráter qualitativo pejorativo, um vinho para ser consumido por gente do interior. O artigo de Tonietto chama ainda a atenção para o contexto temporal, ou seja, quando a conotação positiva passou a existir em torno do termo “terroir” surgiu apenas nos últimos 60 anos, quando a valorização da delimitação dos vinhedos nas denominações de origem veio a balizar critérios associados à qualidade de um vinho, incluindo o solo e a variedade, dentre outros. A palavra terroir passa a exprimir a interação entre o meio natural e os fatores humanos. E esse é um dos aspectos essenciais do terroir, de não abranger somente aspectos do meio natural (clima, solo, relevo), mas também, de forma simultânea, os fatores humanos da produção.


Devido aos conhecimentos originados do artigo de Jorge Tonietto, podemos acrescentar um pouco mais de historia ao nosso post. Outro grande estudioso e sempre lembrado em meus artigos “Ciro Lilla” nos ensina que o vinho nasceu antes mesmo da escrita. Em seu livro o Mundo do Vinho, editora Martins Fontes, descreve o princípio de que o vinho é citado desde os primeiros textos sumérios de que se tem notícia. Esses textos foram encontrados gravados em tábuas de argila e contam uma história semelhante à do dilúvio narrado na Bíblia. O Noé sumério, Gilgamesh, teria pagado também com cerveja e vinho os trabalhadores que construíram a arca. Segundo a Bíblia, a primeira coisa que Noé fez ao sair da sua arca, depois do dilúvio, foi plantar uva e produzir vinho, embriagando-se, conclui o autor. A nós resta apenas saber se o terroir escolhido por Noé era qualificado às suas sementes.

A fim de concluir nosso texto, não poderia deixar de citar o melhor representante e defensor do conceito terroir em nossa opinião: o advogado, escritor e comerciante de vinhos Neil Rosenthal. Seu conhecimento e credibilidade são tamanhos que desde a produção do filme Mundovino, tornou-se uma das mais respeitadas referencias deste universo.

Rosenthal (foto) é o principal importador americano de vinhos de produção limitada “Vinhos de Boutique”. Seus conhecimentos estão expostos no livro de mesmo nome e nos proporciona uma viagem íntima através de vinhas de propriedade das principais famílias produtoras na França e Itália, e nos leva a refletir sobre as últimas três décadas de controvérsia e as mudanças no mundo do vinho. Seus relatos se iniciam na década de 70, onde o protagonista Rosenthal se propõe a aprender tudo o que pode sobre o vinho. Hoje, ele é um dos mais bem sucedidos importadores de vinhos tradicionalmente produzidos por pequenas propriedades familiares na França e Itália. Com um estilo envolvente e franco Rosenthal nós faz mergulhar na cultura da antiga produção de vinho do mundo, trabalhando em estreita colaboração com os produtores por duas e, às vezes três gerações. Ele é um dos principais expoentes do conceito de "terroir", assim, desperta no leitor a noção particular, a de que uma vinha em um micro-ambiente adequado pode conferir diferentes qualidades de aroma, sabor e cor ao vinho. Em outro título “Reflexões de um comerciante de vinho”, Rosenthal nos leva a visitar adegas, vinhas e convívios familiares destes vignerons, em suas histórias sempre deliciosas sobre seus encontros e relacionamentos. Ensina como ele aprendeu a conhecer vinhos e pessoas ao longo do caminho de sua profissão, e nos dá uma perspectiva inigualável sobre a vinificação tradicional e que como ela está ameaçada hoje.

Bem, por hoje vou ficando por aqui, deixando claro que esta é apenas uma pequena degustação de conhecimento sobre o conceito terroir. Voltaremos em muitas ocasiões a abordar este fascinante tema. Caso se interessem recomendamos a compra dos livro de Neil Rosenthal (foto da capa).

Grande abraço a todos que me cobraram este retorno, aos que enviaram e-mails e toda corrente de amigos que sempre me motivam a pesquisar e escrever. Até o próximo post.



1Jorge Tonietto

Possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (1977), mestrado em Fruticultura de Clima Temperado pela Universidade Federal de Pelotas - UFPEL (1980) e doutorado em Biologie de L'évolution et Ecologie - École Nationale Supérieure Agronomique de Montpellier, França (1999). Desde 1980 é pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa de Uva e Vinho, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Tem experiência em Viticultura, com ênfase em Fitotecnia/Agrometeorologia, atuando em zoneamento vitivinícola e desenvolvimento de indicações geográficas, incluindo as denominações de origem.

Fonte: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4787130Z0